Otávio pediu outra cerveja batendo
o casco vazio no balcão. Tinha os olhos cansados, cabelos bagunçados e a camisa
semiaberta, mostrando sua medalha de São Jorge que se emaranhava nos pelos do
peito. O garçom abriu a garrafa a dois palmos de seu rosto e o alertou: “ – Essa é a saideira, senhor. A gente já vai
fechar.”
“ – Foda-se. - pensou
Otávio – ...senhor...”. Olhou seu relógio de ponteiros os quais se embaralhavam;
traiam sua sanidade. Eram três, quatro da manhã? Pouco importava. Sua razão foi
dilacerada há algumas horas, quando ouvira aquelas malditas palavras. Estavam
elas rebatendo em sua consciência feito ressaca de vodca. Tentava aceitá-las,
mas o ódio que se escorava em sua garganta o sufocava, acentuava o amargo de
cada gole de cerveja. Era vil. Podia ouvir os demônios em sua mente: “ – Vai
deixar? É assim mesmo?” Diziam isso e riam estridentemente, segurando suas
barrigas e rolando ao chão. Otávio era todo ódio. Mal notou que o sangue de
seus dedos havia sumido de tanto que contraíra suas mãos sobre a
garrafa. Matou quatro goles de uma só vez, atirou vinte reais sobre o balcão
saiu desnorteado.
Lá fora, as palavras
continuavam a ressoar. Agora pareciam ser sussurradas no pé do seu ouvido...
“Você...” – enquanto abria a porta do carro – “ - ...sabe como é...”. - Trancou
a porta. O mundo parecia caçoar dele. - “...não dá...” – Deu partida no motor e
saiu cantando pneu. As palavras silvavam junto aos postes que simulavam borrões
no canteiro central da pista. Otávio ligou o rádio e aumentou o volume, o
refrão da música explodiu nos autofalantes traseiros: “MENINA VENENO, O MUNDO É PEQUENO DEMAIS PRA NÓS DOIS”. Socou o volante, o painel e o rádio até que se
calasse. Estaria o mundo a conspirar com sua infelicidade? A estrada se
projetava sob a luz dos faróis, convidativa. Logo, foi tomado por uma tênue
calma. Os demônios em sua mente se calaram, porém convidaram sua mão direita a
engatar a quinta marcha lentamente. Ele obedeceu. Sua mão esquerda tomou um
peso estranho, fazendo com que se repousasse em seu colo. O volante oscilava na
medida em que os pneus tocavam as irregularidades do asfalto. Novamente as
palavras vieram claras e lentas à sua mente. Ele fechou os olhos e balbuciou-as
em sincronia. Podia sentir o arquejo em sua orelha. A boca pintada de batom
vermelho daquela jovem, proferindo:
“ – Você...é...velho...demais...pra...mim...”.