quinta-feira, 4 de abril de 2013

Pássaro de ferro


O sol castigava a tarde de terça-feira. Buzinas de automóveis tocavam uma sinfonia dissonante, fazendo da Avenida Brasil um palco do caos. Leleco estava sentado sob a sombra do viaduto que cortava o Parque União e estava ansioso pra se livrar de tudo aquilo. Enfiou a mão em seu bolso e após cinco ou seis tatos, envolveu a pequena pedra na palma de sua mão. Sorriu pra si mesmo; sua boca salivou. Olhou ao seu redor e não foi difícil até que encontrasse um copo de Guaracamp em bom estado jogado ao chão. Lixo pra uns, um narguilé ornamentado em ouro para Leleco. Pegou o objeto, preparou tudo com precisão cirúrgica e deu início à sua viagem. O vapor exalado do interior do copo imitava o turvo que dançava sobre o asfalto. Para a tristeza de Leleco, a pedra derreteu mais rápido que esperava. Contudo, o torpor repentino atingiu o rapaz como um soco. O copo caiu de suas mãos, rolando até o meio-fio da avenida. Leleco esticou seu corpo ao chão, que agora parecia o gramado da Quinta da Boa Vista. Tudo parecia belo. A poucos metros avistou Jennifer e sua enorme barriga, aos sete meses de gravidez, e podia jurar que era seu filho. Imaginou um bebê, rasgando o umbigo de sua parceira e flutuando até seus braços, logo ele se tornava uma enorme pedra de crack, fazendo Leleco rolar de rir. Olhou para o céu, com seus olhos encharcados de lágrimas, porém de felicidade. Via os carros passarem como borrões de guaxe no viaduto acima, e por um momento eles pareciam flutuar. Desejou que os carros voassem e começou a rir estupidamente de novo. Quando de repente viu um ônibus romper a grade de proteção e tomar os céus. Para Leleco, aquela cena durou horas até que o pássaro de ferro se cansasse de seu voo e aterrissasse ao chão com um estampido ensurdecedor, quase implodindo o cérebro do rapaz.  O mundo tomou um silêncio jamais percebido. O torpor se esvaiu feito fumaça, minutos após, bombeiros e policiais retiravam corpos dilacerados das ferragens. E um vermelho triste coloriu a visão do viciado.
Leleco nunca mais usou crack na vida.