O sol castigava a tarde de
terça-feira. Buzinas de automóveis tocavam uma sinfonia dissonante, fazendo da
Avenida Brasil um palco do caos. Leleco estava sentado sob a sombra do viaduto
que cortava o Parque União e estava ansioso pra se livrar de tudo aquilo.
Enfiou a mão em seu bolso e após cinco ou seis tatos, envolveu a pequena pedra
na palma de sua mão. Sorriu pra si mesmo; sua boca salivou. Olhou ao seu redor
e não foi difícil até que encontrasse um copo de Guaracamp em bom estado jogado
ao chão. Lixo pra uns, um narguilé ornamentado em ouro para Leleco. Pegou o
objeto, preparou tudo com precisão cirúrgica e deu início à sua viagem. O vapor
exalado do interior do copo imitava o turvo que dançava sobre o asfalto. Para a
tristeza de Leleco, a pedra derreteu mais rápido que esperava. Contudo, o
torpor repentino atingiu o rapaz como um soco. O copo caiu de suas mãos,
rolando até o meio-fio da avenida. Leleco esticou seu corpo ao chão, que agora
parecia o gramado da Quinta da Boa Vista. Tudo parecia belo. A poucos metros
avistou Jennifer e sua enorme barriga, aos sete meses de gravidez, e podia
jurar que era seu filho. Imaginou um bebê, rasgando o umbigo de sua parceira e
flutuando até seus braços, logo ele se tornava uma enorme pedra de crack,
fazendo Leleco rolar de rir. Olhou para o céu, com seus olhos encharcados de
lágrimas, porém de felicidade. Via os carros passarem como borrões de guaxe no
viaduto acima, e por um momento eles pareciam flutuar. Desejou que os carros
voassem e começou a rir estupidamente de novo. Quando de repente viu um ônibus
romper a grade de proteção e tomar os céus. Para Leleco, aquela cena durou
horas até que o pássaro de ferro se cansasse de seu voo e aterrissasse ao chão
com um estampido ensurdecedor, quase implodindo o cérebro do rapaz. O mundo tomou um silêncio jamais percebido. O
torpor se esvaiu feito fumaça, minutos após, bombeiros e policiais retiravam
corpos dilacerados das ferragens. E um vermelho triste coloriu a visão do
viciado.
Leleco nunca mais usou crack
na vida.