segunda-feira, 18 de outubro de 2010

É coletivo...

O sujeito veio oscilante, arrastando a perna que lhe restara com o auxílio de um pedaço de madeira envolvido com trapos encardidos. Os vendedores ambulantes se desvencilhavam dele como de um cão de rua. Esbarravam as mercadorias nos seus finos braços atrelados aos ferros do vagão. O trem em movimento sagaz desconcertava seus passos a cada solavanco. E ele persistia em caminhar. Passo a passo, singular. Seus ralos cabelos caiam sobre a testa suada, acima de um rosto cadavérico. Sua pele se apegava aos ossos. Tinha um olhar distante, quase entorpecido, que já não distinguia a extensão a ser percorrida. Espalhou pelo vagão seu odor de fezes e urina. Uma senhora não disfarçou ao levar as mãos ao nariz enquanto o sujeito se arrastava pedindo esmolas. Uma onda de compaixão tomou todos os passageiros presentes. Um senhor, com sua camisa furada e seus sapatos de solas descoladas, tateou o fundo de seu bolso até extrair algumas moedas e depositá-las nas mãos do miserável. Uma jovem mulher abriu sua pequena bolsa de moedas e virou-a de ponta cabeça, doando todo seu conteúdo. Idosos abriam seus embrulhos plásticos envoltos por elásticos e retiravam notas de dois Reais, outros, até cinco. Pessoas se levantavam a todo instante e davam um pouco de si, materializados no imundo dinheiro. Aquela cena me tomou de um orgulho imensurável. Vi pessoas que não têm o que merecem ter, doarem o pouco que tinham em mãos, como se fosse um pedaço de seus corpos. Reconstruindo, assim, a perna daquele indivíduo. O ajudando a caminhar. Motivando-o a seguir em frente. Mesmo com suas desgraças, com um futuro previamente condenado, ele estava ali. O trem balançava a cada curva, ele se desequilibrava, mas não caía. Talvez aqueles tristes olhares sobre seu corpo imundo, o mantinham de pé. De uma compaixão que nunca, um nobre, em toda a sua riqueza, irá experimentar um dia. Era o amor mais puro do mundo, sobre uma figura fétida, miserável, que mal media seus passos diante do longo caminho de oito vagões que o esperavam pela frente.

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