terça-feira, 29 de maio de 2012

É assim pra todo mundo, Otávio.


    Otávio pediu outra cerveja batendo o casco vazio no  balcão. Tinha os olhos cansados, cabelos bagunçados e a camisa semiaberta, mostrando sua medalha de São Jorge que se emaranhava nos pelos do peito. O garçom abriu a garrafa a dois palmos de seu rosto e o alertou:  “ – Essa é a saideira, senhor. A gente já vai fechar.”
“ – Foda-se. - pensou Otávio – ...senhor...”. Olhou seu relógio de ponteiros os quais se embaralhavam; traiam sua sanidade. Eram três, quatro da manhã? Pouco importava. Sua razão foi dilacerada há algumas horas, quando ouvira aquelas malditas palavras. Estavam elas rebatendo em sua consciência feito ressaca de vodca. Tentava aceitá-las, mas o ódio que se escorava em sua garganta o sufocava, acentuava o amargo de cada gole de cerveja. Era vil. Podia ouvir os demônios em sua mente: “ – Vai deixar? É assim mesmo?” Diziam isso e riam estridentemente, segurando suas barrigas e rolando ao chão. Otávio era todo ódio. Mal notou que o sangue de seus dedos havia sumido de tanto que contraíra suas mãos sobre a garrafa. Matou quatro goles de uma só vez, atirou vinte reais sobre o balcão saiu desnorteado.
    Lá fora, as palavras continuavam a ressoar. Agora pareciam ser sussurradas no pé do seu ouvido... “Você...” – enquanto abria a porta do carro – “ - ...sabe como é...”. - Trancou a porta. O mundo parecia caçoar dele. - “...não dá...” – Deu partida no motor e saiu cantando pneu. As palavras silvavam junto aos postes que simulavam borrões no canteiro central da pista. Otávio ligou o rádio e aumentou o volume, o refrão da música explodiu nos autofalantes traseiros: “MENINA VENENO, O MUNDO É PEQUENO DEMAIS PRA NÓS DOIS”. Socou o volante, o painel e o rádio até que se calasse. Estaria o mundo a conspirar com sua infelicidade? A estrada se projetava sob a luz dos faróis, convidativa. Logo, foi tomado por uma tênue calma. Os demônios em sua mente se calaram, porém convidaram sua mão direita a engatar a quinta marcha lentamente. Ele obedeceu. Sua mão esquerda tomou um peso estranho, fazendo com que se repousasse em seu colo. O volante oscilava na medida em que os pneus tocavam as irregularidades do asfalto. Novamente as palavras vieram claras e lentas à sua mente. Ele fechou os olhos e balbuciou-as em sincronia. Podia sentir o arquejo em sua orelha. A boca pintada de batom vermelho daquela jovem, proferindo:
 “ – Você...é...velho...demais...pra...mim...”.

     

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