quinta-feira, 16 de abril de 2009

O amor cego

Estava sentado à beira da rua, já quase deserta no fim da noite de páscoa, esperando o coletivo com a paciência usual em meus pensamentos, quando veio se desvencilhando em meios aos obstáculos da calçada, um casal de deficientes visuais. Cada um guiava às escuras os passos do outro. Pareciam ter olhos que eu não conseguia ver, mesmo com minha mente sã e visão sadia. Pareciam estar em paz, despreocupados com as horas ou onde estavam. Pararam no ponto e ficaram as cegas com as cabeças voltadas para o nada, num horizonte vazio, de luzes onde as pessoas provavelmente jantavam reunidas as suas famílias. Quando a mulher, tateou a sua frente, o rosto de seu companheiro e parecia um oleiro preparando sua obra. Sentia cada linha do seu rosto e ambos sorriram pra si mesmos, e assim começaram a se beijar longamente. Fiquei ali parado, admirando aquela troca cega de carinhos, em que pareciam tão verdadeiros consigo mesmos. A medida em que se beijavam, um amor maior parecia devorar-lhes, um amor diferente, um tanto puro, mais até sensual que o amor usual. Então percebi, que tinha a minha frente a resposta pra todas as perguntas sobre o fim de vários amores: A vaidade de ambas as partes. Ali se amavam cegamente, onde prevalece somente o que emerge da mais profundeza da alma. Um lugar talvez não conhecido por muitos. Invejei de forma branca aquela cena, suas maiores desgraças, eram suas maiores dádivas. Um amor cego e puro os tomava, e nada mais importava, nem a minha presença, nem a noite que se extinguia, nem os carros que passavam, nem tão pouco se não viam qual ônibus iriam embarcar. Só o amor... Tomei meu coletivo, sem querer saber o destino daquele casal dali pra frente, pois já haviam me concebido uma resposta a qual buscava há tempos, sem mesmo saberem que o teriam feito. Adormeci em paz a caminho do trabalho.

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