sexta-feira, 21 de junho de 2013

Manifesto do pão de cada dia

Poucos perceberam a figura estática de Tião em meio à multidão na Avenida Rio Branco. Ele tinha os punhos cerrados, a boca trêmula, e sua alma era só ódio. Mesmo os esbarrões aleatórios não o faziam mexer um centímetro sequer. Uma granada de gás lacrimogêneo quicou com uma bola sob seus pés, mas seus olhos estavam tão secos quanto seu coração. Ele simplesmente a afastou carinhosamente com o bico da bota, suja de cimento, como quem tira um filhote de cachorro do caminho. Girou sobre os pés e olhou à sua volta, a procura de algo. Em meio ao caos da manifestação, pôde ver uma concentração a alguns metros adiante. E lá estava o que ele julgou de antemão ser o líder de todo aquele pandemônio: um sujeito magro e barbudo, de óculos grossos, camisa vermelha com estampa de um militar de boina, e as iniciais "UFRJ" pintadas em guaxe na testa. O rapaz bradava palavras fortes junto a gotículas de saliva sobre a multidão abaixo, que parecia se alimentar daquilo, fazendo-os inflamar como um furúnculo. Tião congelou o olhar naquela figura e acreditou ser ele o responsável pela maior desgraça de sua vida. Partiu em direção ao jovem como um lince à sua presa. Ao se desvencilhar por entre os manifestantes, atirou alguns ao chão, fazendo com que fosse notado pela maioria. Um jovem gordo tentou impedir Tião segurando-o pela camisa, tomando uma cotovelada que fez seu nariz parecer o chafariz da Candelária. Uma menina se prostrou em sua frente gritando algo em palavras que Tião nunca ouvira. Tomou uma cabeçada nordestina entre os seios caindo sobre mais três ou quatro jovens. A multidão se abriu para Tião como nunca se abrira à Tropa de Choque, e no meio estava o suposto líder, boquiaberto, deixando o megafone cair ao chão. Tião avançou mais alguns passos, parou a alguns centímetros do rapaz, que pôde sentir o hálito de arroz e ovo daquela larga boca, de lábios rachados pelo sol. Tião olhou para o prédio ao lado em chamas e se voltou ao rapaz:
“ – Seus filha da puuuuta!!! ‘Cês ‘botaro’ fogo no ‘melhó’ ‘putêro’ do centro da cidade. Cambada de freeeeesco!!! Tem tudo que morrêêêêêê!!!” 
E num golpe de vista, sacou sua peixeira de sua bolsa tira-colo abrindo o bucho do universitário fora a fora. 
Horas depois Tião se apresentou à delegacia local calmamente. Sua vida não fazia mais sentido.    

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