Contos, fatos ou apenas opiniões degustadas em copos de boteco, repousadas em bancos de coletivos e amassadas em meio a multidões. Aqui se fala de amor, se fala de horror e se fala da verdade nua e crua censurada a quem vê, mas não enxerga, cozida a fogo brando, temperada a ferro e brasa. Forjada pelo martelo de um juíz de si mesmo que contempla o processo eterno da vida. Sem intimar testemunhas, sem punir os réus, numa prisão domiciliar da pequena cela em sua mente...
quarta-feira, 28 de abril de 2010
Lealdade canina
Os dias que precederam sua morte foram tênues. Meus outros cães pareciam, de alguma maneira, respeitar seu espaço. Como um leito único. Sua pele e pelos se apegavam aos ossos. Negava-se a comer e beber qualquer coisa ofertada. No entanto, inspirava gratidão com uma tentativa de balançar o rabo fracamente. E assim se estendeu por três dias. Na noite anterior, consegui aquecer seu corpo com alguns cobertores e fiz com que bebesse uma dose de leite morno, forçadamente. Ela se deitou tranquila, de olhos fechados.
Na manhã seguinte acordei. Ansioso, fui conferir sua melhora e uma tristeza tomou conta de mim ao ver que ela se encontrava ofegante, dando curtos suspiros e esticando seu corpo, involuntária. Esperançoso, me agachei e acariciei sua barriga levemente. Em seguida, me levantei depressa a fim de pegar um analgésico e um pouco de leite.
Ao sair, senti vontade de olhar pra trás e ao fazê-lo, vi que ela me olhava com tremendo esforço por não conseguir mover a cabeça, virando suas órbitas até o limite. De alguma forma, inspirava gratidão. E o mais chocante foi quando balançou seu rabo rapidamente, como fazia ao me ver chegando em casa. Entendi que aquele gesto era um "muito obrigado".
Inconformado com sua suposta despedida, me ausentei por um minuto. Perdido em meus pensamentos, assistindo o copo de leite girando no microondas, já com o analgésico em mãos. Decorrido esse breve instante, voltei e me deparei com seu corpo inanimado, de olhos ainda serenamente abertos. Ali, sentei. Chorei.
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